Fevereiro 2013 1z329

I. LEITURA ESPIRITUAL 2j5i6
A aventura da fé 4v202a
Textos de abertura 493wr
O Senhor disse a Abraão: âSai da tua terra, do meio dos teus parentes, da casa do teu pai e vai para a terra que te mostrarei. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei engrandecendo o teu nome de modo que se torne uma bênçãoâ (Gênesis 12,1). d4r1z
A fé é como uma criança que não dá descanso, não se acostuma a hábito algum, sobretudo da indolência e da tibieza. Repugna-lhe comprometimentos. Ela é uma criança rebelde, ao mesmo tempo vulnerável e temerária, reflexiva e aventureira. Criança que nasceu em plena noite, não feita para a provação da noite, sempre em estado de busca, desejando a luz  (Sylvie Germain). 453z31
1. Estamos vivendo a graça do Ano da Fé.  Toda reflexão sobre o tema da fé começa com Abraão, que deixa sua terra e sua parentela, seu modo de viver no mundo e seu jeito de organizar a vida e lança-se a caminho. Alguém avisa que ele, apesar de todos os pesares, apesar do ventre seco de Sara, será pai de uma multidão. Ele creu e por isso foi justificado.  A fé é um movimento de ir, de sair, de fazer o que é pedido, com parcial clareza ou mesmo nenhum. âMeu Deus, meu Deus, por que me abandonasteâ, grita o homem Jesus no alto da cruz. Sim, a fé é uma criança que não se acalma, nem dá descanso. Coloca os que convoca em estado de busca. Nada tem de mesmice, de indolência, nada tem a ver com um pacote recebido não sei quando e que deve ser levado não sei para onde. A fé sempre questiona, interroga, ilumina, apresenta-se oportuna e inoportunamente à nossa liberdade. Digo bem, ela se apresenta à liberdade de cada um. Na abordagem do tema não é questão apenas de insistir sobre o saber de cor o Credo. Não se trata, em primeiro lugar, de doutrina, e sim do ingresso num universo que nos escapa, numa misteriosa comunhão com Deus, em caminhar na terra como se vÃssemos o InvisÃvel. Melhor imagem para explicar a fé: uma luz, uma claridade que dá sentido à vida e que nos permite organizar um consistente projeto de existência.  A luz da fé esclarece nosso presente e projeta luz em nosso  amanhã. Uma das experiências mais trágicas de uma existência é a que fazem os que não creem. A fé é dom do alto que é sempre dado aos pequenos. âPai, Senhor do céu e da terra, eu te louvo, porque escondeste estas coisas dos sábios e poderosos e as revelaste aos pequenosâ.  O dom é dado a quem abre a porta.
2. A fé é escuta e assentimento. No coração da vida irrompe a voz de um Outro que chama e convoca. A fé tem a ver com o jogar-se naquele que chama, sem medo, correndo todos os riscos, com pouca bagagem. Com certeza, de um lado e questões do outro. Lançar-se sem medo porque quem nos chama nos ama. à um arremesso para frente. à movimento de confiança em Alguém que está fora de nós, que nos chama e convoca a sairmos de nós mesmos e ir ao seu encontro. O que vem depois é segredo ente o Amante e a amada. A fé leva à comunhão. Tornar-se uma pessoa de fé significa deixar-se conduzir por este dinamismo que aponta para Jesus Cristo morto e ressuscitado. E saber que, aqui e agora, eu morro e ressuscito com ele. Um tal movimento de saÃda de si e busca do Outro comporta aspectos exigentes e, por vezes, dolorosos. Andar na direção de Alguém exige um distanciamento do lugar em que estamos, daquilo de que se ocupa nosso coração, nossos afetos, desejos e posses. Andar na direção da fé implica na renúncia de queremos construir em nosso interior uma imagem desse Alguém de acordo com nossos gostos e nossas expectativas. Trata-se da aceitação humilde de uma descoberta que vai se dilatando ao longo do tempo: uma vida à luz da fé, do Senhor, do Cristo morto-ressuscitado. Vida de fé que há de reservar suas surpresas. Não se coloca esse Alguém a nosso serviço. Se assim fosse, estarÃamos diante de um Ãdolo.
3.  Andar na direção desse Alguém significa aceitar que ele seja diferente. Nem sempre as exigências da fé coincidem com nosso querer. Nossos critérios nem sempre são os critérios desse Alguém. Não se seleciona aquilo em que deseja-se acreditar. A fé pede que perdoemos setenta vezes sete, nos diz que o corpo apodrecido na sepultura é fadado à gloria, que há força de redenção no sofrimento. O Outro será acolhido em sua totalidade, em tudo o que é e que diz. Trata-se do tudo ou nada.
4. O movimento da fé não desemboca num vazio, mas encontra um dado objetivo, em alguma coisa que se acredita, um âregra de féâ.  A fé tem um conteúdo. Situa-se no observável, no coletivo, no comunicável. Há um conjunto de verdades que está diante de nós, um credo a ser conhecido, apreciado, vivido. Não verdades frias. Há um Deus grande e belo que se revela em Jesus, morto  e ressuscitado, no coração de uma comunidade de crentes e que nos faz viver aqui e agora a intimidade com ele de modo nebuloso e esperando a plenitude  na âvita venturi saeculiâ. Os sentimentos e sensações que cada um experimenta nem sempre são bons conselheiros, sobretudo quando as pessoas não são vigilantes nem perseverantes. No campo da fé, a emoção é má conselheira. O âcredoâ permite nos ater a um linguajar sóbrio e distinguir os reais fundamentos da fé que são necessários para construir sobre o sólido uma experiência pessoal do Deus de Jesus Cristo.
5. A fé está ligada a uma experiência. à um dado existencial. Ela permeia e atravessa a vida de uma pessoa transformando-a através de um processo de conversão e de salvação. Exteriormente, a convicção interior se explicita num testemunho concreto e cotidiano, que arranca a pessoa do egoÃsmo e da instalação em seus próprios interesses e abre para uma solidariedade mais ampla, a uma justiça mais exigente, a uma caridade mais generosa. Não se pode pensar numa ortodoxia, sem pensar numa ortopraxia. Não se pode falar de uma fé solidamente estruturada, sem delinear também um comportamento, uma moral. O comportamento deve refletir a adesão ao Deus de Jesus Cristo e deixar transparecer a fé através de escolhas coerentes e decisivas. Não existe fé sem obras. Os ritos externos que costumam exprimir a fé sem o fundamento da fé são vazios e inócuos.
6. A fé designa o ato pessoal de crer, de se confiar a Cristo e a seu ensinamento que não se limita à submissão a códigos engessados ou a um corpo de doutrina. Christophe Theobald: a fé tem a ver com uma liberdade que faz a experiência de ser libertada de si mesma. A fé cristã significa apostar todas as fichas nesse Jesus de Nazaré, que veio ao mundo da parte de Deus, caminhou pelas estradas da terra, conheceu os mistérios do coração humano, sofreu, morreu e ressuscitou e vive entre nós. Estará conosco ate à consumação dos séculos. A fé em Deus não exige renúncia de viver e responder aos convites do tempo. Ela, no entanto, dá um sabor diferente a nossos planos, projetos e vivência. A fé não nos fecha  numa modalidade de autossuficiência ou complacência para conosco mesmo. Convida-nos a nos reabastecer numa fonte fora de nós. A fé não é qualquer coisa mágica que nos garante tudo uma vez por todas. Ela coloca à prova nossa  liberdade e nossa  confiança no cotidiano de nossas escolhas. A fé informa tudo: casamento, vida de padre, pessoas solteiras, alegrias, sofrimentos, prioridades, vida e morte. Vivemos como se sempre estivéssemos vendo o InvisÃvel.
7. Crer significa entrar numa relação de confiança com Deus. Repetimos: ter fé é aderir pessoalmente ao Deus que se revela como o Pai criador, como Jesus Cristo o Filho, morto e ressuscitado para nós, como EspÃrito Santo, doador de vida e santidade. Com todos os homens e mulheres, os cristãos têm perguntas que dançam seus lábios vindas de seu interior. Como chegar a uma verdadeira felicidade? Qual o bem a ser feito e o mal a ser evitado? Como decidir quando as situações são complexas?  Por que os justos sofrem? Por que o Senhor parece mudo.  A fé nos convida a elaborar respostas a estas questões. Ela não é uma caixa de conteúdos e de soluções no sótão da nossa vida. Ela ilumina. A nós de enxergar e aderir.
8. Crer é saber-se precedido e amado pelo Senhor na existência. Aderir a Deus, é descobrir aquele que é fonte de minha vida, aquele que suscitou minha liberdade e quer me guiar pelo caminho do amor. Esta experiência tem suas consequências práticas: minhas ações e decisões terão sentido somente na medida em que responderem ao dom do amor de Deus. Sabemos em quem colocamos nossa confiança. Antes que amássemos esse Outro, ele nos amou. à belo e reconfortante percorrer os salmos e ver como o salmista se sente coberto de amor. âBendirei o Senhor em todo o tempoâ¦â.
9. Crer nunca é obra solitária, mas significa ingresso numa tradição herdada dos apóstolos. O compromisso que a fé suscita na vida cotidiana não é um ato isolado, mas testemunho secundado e modelado pela comunidade dos crentes. Outros viveram a fé e no-la transmitiram. Como discÃpulos de Cristo, acreditamos também na Igreja que é seu corpo comunitário animado pelo EspÃrito. A fidelidade ao Cristo supõe a fidelidade à sua Igreja. Um documento pastoral dos bispos ses, reza: âRecebemos da Igreja encorajamento, formação e orientações para nosso comportamento. Toda a comunidade cristã é lugar de discernimento da retidão cristã das decisões. Para estarmos certos de responder em nossa vida aos apelos do EspÃrito de Cristo temos necessidade de buscar tal verificação na comunidade habitada pelo EspÃrito como se manifestam os frutos do EspÃritoâ.
10. âA comunidade cristã, de modo especial pela vida litúrgica, modela nossa maneira de ver o mundo, instrui nosso caráter moral, e educa nossa atitude diante de questões éticas. A liturgia nos descentraliza, nos coloca diante da Palavra de Deus para que possamos ser imitadores de Cristo. Por seus pastores também a Igreja nos fornece indicações a respeito de nosso seguimento de Cristoâ (Thomasset).
11. A partir de Abraão, o pai dos crentes, crer é entrar em relação.  Um eu diante de um tu, uma resposta de fé à iniciativa de Deus. A fé é da ordem da relação (e da revelação) e da confiança. Abraão é a testemunha maior de tal confiança do homem em Deus pessoalmente encontrado: a questão não é mais a da existência de Deus, mas da confiança feita a esse Deus que se interessa pelo homem. âA fé um caminho a ser percorrido, também como foi para Abraão, o ato de caminhar na direção de Deus, do outro e de nos mesmos. Para o cristãos, esse caminho se faz seguindo um homem que se encarnou em nossa história: Jesus se Nazaré. Este homem, Filho de Deus, nos arranca da crença e da religiosidade, convidando-nos a segui-lo em toda a liberdade e nos comprometendo a viver o Evangelho e sua mensagem: amar, partilhar, perdoar e dar a vida.â (Régine Maire). A fé nunca é adquirida de uma vez por todas. Dúvidas estão ligadas à fé. A fé é combate que todos os santos conheceram. Podem surgir dificuldades para crer a partir do mal, da mediocridade do testemunho cristão. Entramos, por vezes, na noite terrÃvel da dúvida.
12. â A fé é virtude, atitude habitual da alma, inclinação permanente a julgar e agir segundo o pensamento de Cristo, com espontaneidade e vigor, como convém a homens âjustificadosâ. Com a graça do EspÃrito Santo, cresce a virtude da fé, se a mensagem cristã é entendida e assimilada como âboa novaâ, no sentido salvÃfico que tem para a vida cotidiana do homem! A Palavra de Deus haverá de aparecer a cada um como abertura aos próprios problemas, uma resposta à s próprias indagações, compreensão dos próprios valores e satisfação das próprias aspirações. A fé se torna facilmente motivo e critério de todas as avaliações e escolhasâ (Il Rinnovamento dela Catechesi, n. 52).
13. Michel Hubaut, franciscano francês, no seu livro  La Voie Franciscaine  (tr. espanhol  El caminho franciscano) disserta sobre o horizonte da fé de Francisco. O Poverello busca a fé como se procura um poço no deserto. Ele se dá conta que ela é uma frágil chama no meio da noite. Vai procurar a fé como se remexe a terra para ver se por ali está enterrado um tesouro. A fé começa sempre com uma rutura. O homem frágil,  ergue-se, abre os braços. Como acolher a gratuidade dos dons do Senhor sem deixar cair de nossas mãos nossas pseudo-riquezas? Nos começos de sua caminhada o evangelho fez com que Francisco tivesse dores como aquelas que provoca o bisturi do cirurgião rasgando a carne. A homilia dominical que mantinha meio adormecida a assembleia tornou-se para ele o evangelho de fogo. Hubaut: âO contrário do medo é a fé. Ter a coragem de tudo arriscar. Renunciar ao desejo de manipular sua vida, seus talentos, seus bens, de cada um seguir seu caminho solitário. Renunciar a tudo isso para entregar-se à vontade de Deus, para entrar no projeto amoroso que Deus tem para cada um: este é o mistério da fé. Tudo aposta na fé. Não se pode compreender nada da vida de Francisco quando se esquece este fundamento inicial. Sua conversão é o desejo do homem que se abre ao desejo de Deusâ
14. âEste é o cerne da espiritualidade de Francisco: a fé vigilante. Para além das ideologias, das sirenes que anunciam desgraças, dos slogans publicitários sobre a felicidade, permanecer disponÃvel ao chamamento de Deus, ao EspÃrito do Senhor. Iluminar de novo nossas fontes interiores. Escutar a Deus. Buscar a Deus. Deixar-se modelar por Deus. Deixar-se conduzir de novo no meio da noite pela esperança que ganhou rosto em Jesus Cristo. Despertar desta sonolência espiritual em que se entregou o mundo ocidental no meio de sua abundância. O projeto evangélico de São Francisco se enraÃza na fé. A fé que crê que Deus é amor, que seu projeto sobre o homem faz ir pelos ares a estreiteza de nossos horizontes e que esta dependência de amor (a Deus) não aliena o homem, mas o libertaâ
Obs.: 3l2ie
Esta reflexão esteve fortemente apoiada em:
â Introdurre ala vita di fede oggi, Roberto Laurita, in Credere oggi, n. 89, 5/ 1995, p. 89-107
â La Joie de croire, Régine Maire, in Les cahiers de croire, , n. 284
â Croire câest imiter Dieu, Alain Thomasset, in Les cahiers, op.cit.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
II. JANELA ABERTA
Coragem, audácia e sobretudo fé 661n26
O Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, em documento de 2006, fazendo uma análise da situação da Ordem no mundo, teceu algumas considerações sobre a força da fé que deverá permitir aos frades menores serem corajosos e audaciosos na fidelidade criativa. 1k1538
Coragem e audácia 4z6k61
Certamente deveremos continuar a questionar-nos sobre nossa vida e analisar a situação da sociedade em que vivemos, conscientes de que, como diz um amigo meu,  quando compreendemos a resposta, mudamos a pergunta; certamente devemos começar de novo. Hoje, mais do que nunca, a fidelidade sofre de solidão, por isso deve sempre ser acompanhada de criatividade. Sem dúvida, neste momento não basta continuar a analisar ou a questionar-nos; exatamente porque a fidelidade deve ser criativa, é preciso ar da ortodoxia à âortopraxiaâ, é preciso optar por linhas de ação concretas, é preciso ar para a outra margem,  é preciso viver o presente ânão só como memória o ado, mas como profecia do futuroâ.
E para isso são necessárias a coragem e audácia evangélicas. Coragem e audácia, como antÃdoto contra o medo. âNão tenhais medoâ, repete-nos hoje o Senhor, como disse à s mulheres que, no primeiro dia da semana, se aproximaram do sepulcro (cf. Mc 16,6). Coragem e audácia como antÃdotos  contra o realismo asfixiante: âTudo posso naquele que me confortaâ, deveremos dizer como Paulo (Fl 4, 13). Coragem e audácia que nascem da certeza de que o Senhor está sempre conosco: âPor que estas dúvidas em vosso coração?â (Lc 24,38), â estou convosco todos os dias até o fim do mundoâ (Mt 28,20). Sim, necessitamos de coragem e audácia que nascem da renovada fé naquele para o qual nada é impossÃvel (Lc 1,37). Estamos dispostos a assumir a criatividade como companheira da fidelidade?
O presente exige de nós a fé 633073
Assumir o Evangelho como Boa Nova, ar para a outra margem, viver o presente com audácia e coragem evangélicas, pôr-se a caminho, pressupõe a fé. Sem fé, nada disso é possÃvel. Sem fé, o perigo de acomodar-nos, de repetir-nos, de anular os sonhos mais profundos, de perder pouco a pouco a alegria que brota da paixão  de viver nossa vocação e missão é mais do que eventualidade.
Os crentes â Abraão, nosso pai na fé, Maria, a mulher crente; Jesus, autor e aperfeiçoador de nossa fé (cf Hb 12,1); Francisco, humilde servo de Cristo pobre e crucificado; a Igreja que, unificada por obra e à imagem da Trindade, aparece diante do mundo como corpo de Cristo e templo do EspÃrito â todos foram convidados, e neles também nós o somos, a sair da terra natal, da casa paterna, e pôr-se a caminho para a terra que o Senhor nos indicar (cf. Gn 12,1).
Como eles também nós nos poremos a caminho movidos somente pela fé na Palavra de Deus. Pela fé em suas promessas sairemos sem saber para onde iremos;  por fé emigraremos como estrangeiros para uma terra prometida; por fé nos tornaremos homens da estrada e habitaremos tendas, aguardando a cidade do cimento, cujo arquiteto e construtor é Deus (cf. Hb 11, 8-10).
Movidos pela fé na Palavra de Deus, contemplaremos a realidade com os olhos da fé e nos moveremos nela guiados pela luz da fé, quando um dia alcançarmos aquilo que esperamos, então desaparecerá a fé, que hoje é nossa luz e nossos olhos. Afinal, a esperança que se vê já não é esperança. Como alguém pode esperar o que já vê (cf Rm 8,24)? E em outra agem lemos: âA fé é o fundamento do que se espera e a prova das realidades que não se veemâ (Hb 11, 1).
Não nos porá a caminho a beleza descritÃvel e efêmera daquilo que vemos, mas a beleza inefável e permanente daquilo que esperamos. Por isso, renunciamos a fixar nossas tendas na cidade do vale, ainda que ela possa nos parecer um jardim de Deus (cf. Gn 13, 1-12) e nos fazemos seguidores do Cristo pobre e crucificado, no qual esperamos encontrar a plenitude das bênçãos de Deus para nossa vida.
à o momento de exercitarmo-nos na fé, de mover-nos a partir da fé, de viver a fé. Só a fé nos permite ver que tudo é graça, e que em tudo se manifesta o infinito amor que Deus tem por nós. Esta é a fé que move montanhas, a esperança que põe em movimento os filhos da Igreja, o amor que abre caminhos para o futuro. Esta é a vida que enche de paz o coração de todos.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
III. FAMÃLIA
Ele e ela, o envelhecimento e a morte 4020s
A propósito do filme âAmorâ de Michael Heneke 615n2q
Por vezes ficamos profundamente impressionados com figuras de pessoas muito envelhecidas. Lembro-me sempre de algumas aparições do querido Papa João Paulo II nos últimos tempos de sua vida: sua dificuldade de falar, de locomover-se, o cansaço estampado em seu rosto, o corpo pesado que ia se arrastando. Sentimento de gratidão por assumir assim a velhice e a doença, quer dizer, com coragem e visão de fé. Vejo também esses grandes artistas do teatro e do cinema envelhecendo com coragem. Recentemente apareceram na telas Geraldine Chaplin cheia de sinais de envelhecimento  avançado e Jane Fonda, bem esticada, com o milagre da plástica. Lembro-me sempre do último olhar de minha mãe, olhar com certa angústia, olhar de dor e de adeus.
A famÃlia é uma realidade camaleoa. Muda de configuração ao longo de sua história. Uma coisa são os primeiros anos do casal, ainda sem filhos. Depois vem a fase dos filhos pequenos, adolescentes e jovens. Quando as asas ficam sólidas, cada filho empreende o voo para fora do ninho. Permanecem ele e ela. Esse tempo de casal sozinho pode durar. Pode ser abreviado pela chegada da morte. E um ou o outro vive a viuvez. Hoje, coloca-se um problema delicado: o cuidado que os filhos precisam prestar a pais idosos e doentes. Nem sempre os filhos podem assumir a responsabilidade pelos  últimos breves ou longos tempos de  seus genitores. Os que dispõem de recursos providenciam acompanhantes ou descobrem uma casa que acolhe e hospeda pessoas doentes e de muita idade. O tema é complexo. Os filhos casados com sua vida, seu trabalho e suas preocupações, via de regra, não podem assumir os pais nestas condições. Muitos desses idosos, sem recursos financeiros, não podem viver em clÃnicas de idosos, caras e nem sempre de boa qualidade. Os pais envelhecidos e gravemente doentes não podem ficar entregues à própria sorte. Há todo um arranjo delicado a ser encontrado. Por um tempo, os pais podem viver na casa de um filho casado. Depois, um neto ou um parente a um tempo na casa dos idosos. Nada disso resolve o problema. Cada famÃlia buscará a melhor solução, o expediente que possa atender aos pais. Em tudo, trata-se de uma postura de amor. Há muitas esposas que cuidaram de maridos doentes e envelhecidos anos a fio.  Trata-se de amor. Esse trabalho é desgastante.
Gostaria de continuar esta reflexão tecendo alguns comentários ao magistral filme de Michael Haneke, Amor, vencedor do Globo de Ouro de 2013 e candidato para o Oscar de 2013 em diversas categorias. Não sou crÃtico de cinema. Limito-me a pinçar elementos que nos colocam diante da realidade de um casal octogenário, e ela, a esposa, gravemente doente.
Os dois intérpretes são magistrais. São artistas de verdade: Jean- Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, ela musa de âHiroshima, Mon amourâ, clássico de Alain Resnais. Em boa parte, eles constituem o filme. Com suas rugas e sua velhice, com seu olhar e seu andar, com suas expressões fisionômicas, com suas roupas de andar dentro de casa constituem a alma desse hino ao amor. à preciso dizer logo que é amor na crueldade e na dureza de situações mostradas em sua nudez. Basicamente, esse é o enredo: octogenários, Georges e Anne são professores de música, pessoas cultas, independentes que vivem num apartamento razoavelmente confortável em Paris. Ela sofre um AVC e precisará dos cuidados do marido até o fim. Toda a trama do filme é mostrar como Georges vai istrar essa situação nova, cuidar de sua amada companheira, acompanhando a degradação de seu corpo e de seu espÃrito até o desfecho trágico.
Quando as pessoas envelhecem, mas gozam de boa saúde não se colocam maiores problemas. Uma certa assistência dos filhos à distância, uma pessoa que cuide da casa, da limpeza, visitas frequentes, manifestações de atenções e tudo está resolvido. Não é o caso do filme em questão.
Tudo começa com um concerto de música clássica. Georges e Anne estão no meio dos espectadores. Voltam conversando. Ela se sente cansada não quer tomar um chá e vai dormir. No dia seguinte, no petit déjeuner, ela tem momentos de esquecimento. O marido estranha. Depois de ter recobrado a lucidez, ela não se lembra de nada. George tenta dizer o que aconteceu⦠ela não se lembra. Em seguida, ela tenta servir-se de chá e perde o senso de orientação vertendo o chá fora da xÃcara. Médicos serão procurados, diagnósticos feitos. A cirurgia das carótidas não deu grande resultado. Lá está ela voltando à casa em cadeira de rodas. Começa a dureza da vida para ele e para ela. O amor se exprimirá numa dedicação sem nome. Ela, ainda lúcida, pede que o marido não a coloque numa clÃnica. Quer ficar em casa, quer morrer em casa. Dois octogenários. Ela de cama, precisando de todos os cuidados. Ele, meio trôpego, com feições de idoso bem idoso, mãos de idoso, manchas de idoso nas mãos, mas corajoso, valente. Ela, carinhosa,  em alguns momentos. Em outros, uma mulher que grita, que cai da cama, que vai se deteriorando a olhos vistos. Georges já não sabe o que fazer.
Mário Mendes, crÃtico de cinema, na revista âVejaâ  de 16 de janeiro de 2013, descreve bem a situação: âCom exceção da sequência inicial,  em uma sala de concerto, toda a ação se a no interior de um apartamento â os limites estreitos do confinamento destinados aos muito velhos e muito debilitados â que o diretor apresenta em esparsos movimentos da câmara, longos planos estáticos e close-ups cada vez mais dilacerantes  à medida em que Georges vê a outrora elegante Anne se desfazer diante de seus olhos. Haneke não desvia o olhar de situações que outros instintivamente atenuariam, e registra com inabalável sinceridade até os aspectos mais humilhantes que a decadência fÃsica e mental impõe aos que am a depender de todos para tudo. A transformação gradual do quarto do casal em uma ambiente de decrepitude e doença mostra o hábil controle do diretor sobre detalhes sutis que amplificam o clima de tensão e do sem ruÃdos desnecessáriosâ.
A filha, casada com um inglês estranho, aparece de quando em vez, mas não assume a condição da mãe. A impressão que se tem é que não há vÃnculos afetivos entre a filha e os pais. Há discussões ácidas entre pai e filha. A fala de Trintignant é soberba quando, na frieza de seu discurso, brada o que faz e mais do que ele faz é impossÃvel, quando a filha insiste nervosamente na busca de uma outra solução. Num determinado momento, a filha, interpretada por Isabelle Huppert, tem momentos de ternura, dizendo do amor de seus pais lhe dava muita segurança. Durante todo o filme não vê chegar o neto do casal. A preocupação da filha era que o pai a internasse numa casa de doentes e idosos com bom atendimento. Georges se lembra que Anne disse que não queria morar e morrer nessas hediondas casas.
Assim, a doença faz seu caminho e Anne vai se deformando fisicamente, não dizendo mais coisa com coisa, não consegue falar, tem a boca torta. Há um momento em que Georges tira a chave do quarto para que a filha não veja a mãe naquele estado degradante. Nós, espectadores, vamos olhando tudo com os olhos de Georges. Tudo é feito por amor. Por isso, o tÃtulo do filme não podia ser outro senão amor, amor dedicação, sacrifÃcio e pronto. Sente-se que Georges  não tem mais reservas de paciência e custa-lhe ver a mulher inteiramente degradada. Ele perambula pela casa como um fantasma, se arrastrando, velho e olhando sempre a mulher numa cama, delirando, torta. Quanta crueldade! Por vezes ter-se-ia vontade de ouvir uma música. Esta é rara. Muito rara. Há um silêncio que parece uma espada a nos penetrar.
Há cenas doidas e doloridas. A bela senhora que tinha ido ao concerto no começo do filme entra em casa numa cadeira de rodas, começando sua dependência total. Tem uma cadeira elétrica e num determinado momento, em sua cadeira, vai de um lado para o outro, freneticamente, sem choro, com uma espécie de vontade de sair, chocando com o rodapé do cômodo⦠Quer sair, mas não pode. Está confinada ao seu apartamento. A única porta de saÃda será, depois, a morte. Há  essas conversas entre os dois, tenras, delicadas, adoráveis. Dois adoráveis velhos, em certos momentos. am a impressão de muito se terem amado. Ele a arrasta para cá e para lá, o após o, como se fosse uma dança de amor. No concerto de abertura do filme, o casal assistirá a um pianista que fora aluno dos dois. Um belo dia este visita a professora e seu rosto é de piedade ao vê-la com a mão imobilizada. Anne diz claramente que não quer a piedade do aluno. Como também não faz questão de receber o genro inglês para que ele venha a se apiedar dela. Há essas cenas que poderiam ser subentendidas, mas que são mostradas em toda sua crueza: as fisioterapias⦠movimentar a perna branca e velha quinze vezes⦠A pobre mulher sentada no vaso vem a cair e o marido a levanta e sobe-lhe as peças Ãntimas. Esse homem que prepara a comida, que não tem empregada, que lhe dá a comida na boca, colher após colher, limpando-lhe a boca com uma toalha felpuda⦠Ele faz questão que ela beba, ela precisa beber água e não quer⦠Depois aceitar o copo e encher a boca, ela devolve tudo⦠George perde a paciência e lhe um tapa que cada um de nós recebe. Ele não tem mais reservas de paciência. Esse homem que havia mesmo aprendido a trocar as fraldas da mulher⦠Nada de histórias adocicadas de  idade feliz. Envelhecer é cruel. Cenas cruas. Esse homem que depende do casal da portaria, sempre com a mão na carteira para pagar⦠sempre pagar. Uma das moças contratadas para cuidar de Anne não agrada a Goerges. à seca e pouco delicada para  com sua mulher. Ele a despede⦠precisa lhe pagar soma alta de euros e ouvir dos lábios dessa ordinária mulher palavras ofensivas, esse homem que estava para entrar no desespero. Sentado, andando de um lado para o outro, mexendo nas coisas, ele é um solitário, completamente solitário. Não consegue comungar com a filha. Não consegue falar com a mulher. Não aguenta mais tanta decrepitude. Numa cena dolorida, com um travesseiro sufoca a mulher que não é mais a mulher que ele conheceu, simplesmente uma casca. E o filme sobre o amor termina. Perambula pela casa e desaparece.
Um tal desfecho parece compreensÃvel. Estamos diante de uma grandiosa obra de ficção, grandioso trabalho. Sente-se falta de netos, de filhos, de amigos, de pessoas que pudessem cercar o casal do calor da proximidade. Nós, cristãos, temos o hábito de lançar sobre esses fatos a luminosidade da fé. Digamos alguns raios de luz. Nunca devemos nos esquecer que Jesus, no alto da cruz, na sua solidão e no seu abandono, disse: âMeu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?â. Depois ele dirá: âPai, em tuas mãos entrego o meu espÃrito!â O final do filme é o nada e o desespero. Em momento algum se aponta para a Transcendência. Quando vidas humanas se fecham na limitação do humano, as portas se fecham. O homem não é feito para o que vê, sente, mas para Transcendência. Não estou querendo dizer que a fé cristã âdeletariaâ todos os sofrimentos. Mas ela projetaria um nesga de esperança onde tudo parecia absurdo. O Jesus que pede que o pai que afaste dele  o cálice, que vive a solidão porque o Senhor o havia abandonado, entrega-se ao pai na noite da fé.
Então, fica a pergunta: como cuidar de nossos pais doentes e envelhecidos? Cada um haverá de responder a partir do concreto de sua vida.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
IV. PASTORAL
O mundo em que os jovens vivem z571j
O ano de 2013 é, de alguma forma, o Ano da Juventude. O encontro dos jovens com o Papa no Rio de Janeiro, a Campanha da Fraternidade e o Ano da Fé constituem  convites a que venhamos organizar uma sistemática pastoral  dos jovens. Tarefa ingente, complexa e delicada. Urgente pensar no assunto. A Igreja de amanhã, nesse mundo em transformação, precisa de um laicato maduro, de casais maduros, de polÃticos maduros, de gente nova por dentro. Nossa reflexão nesta rubrica Pastoral pretende lançar um olhar sobre o mundo que vivem os jovens. Tocamos apenas em alguns pontos. Cabe aos leitores desta âRevista Eletrônicaâ completar o elenco das situações concretas em que vivem os jovens e, sobretudo, imaginar uma possÃvel pastoral (ou evangelização) dos jovens.
Vivemos um tempo de transformação. Há a crise econômica e social. Há a crise eclesial. Há a crise cultural. Morre um mundo e nasce outro. Morre um modo de viver a fé. O que é ser cristão nesse mundo novo vago que se delineia a duras penas. Ora, os jovens são aqueles que poderão ser protagonistas desse novo nascimento. Poucas de nossas comunidades, no entanto, conseguem organizar e alimentar uma pastoral juvenil. Em que mundo vivemos nós e os jovens?
1. Vivemos o tempo do imediato, do que precisa ser feito aqui e agora, sem delongas, sem demora. O que desejo, quero para já, aqui e agora. Nem sempre esse desejo do imediato é acompanhado pela reflexão. Não sabemos colocar o pé no freio. Compramos o que temos vontade de comprar e pagamos a crédito, com cartão de crédito, com pagamentos a perder de vista. Mas queremos agora. Essa caracterÃstica da busca do imediato lembra os caprichos de uma criança que pensa que tudo se lhe deve e que esperneia enquanto não consegue o que quer na rua, no metrô, na igreja e na sala de espera do consultório médico. As pessoas querem tudo rapidamente e não se dão o tempo de pensar, de escolher, de decidir com um mÃnimo de discernimento. O tempo da  juventude não seria o tempo de escolhas importantes que marcam a vida de uma pessoa para sempre? Será possÃvel melhorar nossas escolhas?
2. A realidade é como um lÃquido que escorre por entre os dedos. Nada a a impressão de ser sólido. Os relacionamentos são fugazes: casamento, amigos, convicções. Como uma pessoa jovem se situa nesse mundo lÃquido de que fala Zygmund Bauman? Onde o jovem encontrará uma âncora vital que o ajude a navegar no vaivém das oscilações da vida? O mundo nunca foi estático. Mas hoje é âloucoâ. à possÃvel encontrar um sentido último para a vida e que oriente as decisões e ajude a construir projetos existenciais que valham a pena?
3. Vivemos num mundo descosturado. As coisas não estão interligadas. Cada fragmento tem sua lógica, obedece a seus princÃpios, contém seus âvaloresâ, uns separados dos outros. Jovens vivem essa descostura na carne. Muitos deles trabalham para ajudar na renda familiar, fazem estudos à noite, ou ensino fundamental, ou faculdade. Não têm tempo de aprofundar seus estudos e nem de conhecer-se a si mesmos. Derramam-se nas coisas e nos finais de semana precisam uma válvula de escape: namoricos, por vezes para distração, bebida e certas fugas no mundo das drogas. Precipitados envolvimentos amorosos  podem redundar numa gravidez. Como esses jovens tão ocupados poderão participar de grupos de jovens, de espaços de iniciação cristã e de reorganização de seu universo? Como viver com eles? Como eles poderão sentir beleza da fé vivida por outros?
4. Há jovens de todos os tipos e horizontes.  Vemos uma certa juventude que cresce em ambientes familiares de compreensão, de harmonia. Crianças que encontram regularmente os pais, que  sentem a firmeza do relacionamento dos mesmos, que vivem segurança na vida, apoiadas no sólido amor dos pais.   De outro lado vemos jovens que vivem em ambientes de profunda hostilidade familiar. São filhos de mães solteiras, criados pelas avós. Jovens que têm conviver com âmeio-irmãosâ,  filhos do novo companheiro da mãe. A mãe e seu novo companheiro não vão viver o tempo todo juntos. à coisa apenas por um tempo. O que realmente se a na cabeça desses jovens? Onde estão? Como fazer pastoral com eles? Quando tentar atingi-los com o Evangelho?
5. Nossos jovens crescem num ambiente marcadamente  consumista. O mundo é consumista. A vida é consumista. Os meios de comunicação falam de consumo, convidam ao consumo. Consumo de bens, consumo de coisas modernas, de viagens, de pessoas. Como fazer com que ressoe nesta sociedade de consumo o espÃrito de desprendimento do Sermão das Bem-aventuranças?
6. Vivemos a cultura do êxito. à preciso  vencer na vida. Há a competição.  Competição que estressa. Competição que aponta para uma certa eliminação do outro. Há famÃlias que treinam os filhos para estudar, vencer na vida e assim poderem desfrutar  de folgada situação financeira em suas vidas. Ãxito e sucesso também nos relacionamentos amorosos: corpos sarados, bem cuidados, cuidados  demais. Meninas magras e rapazes âbonitosâ. Culto das aparências: beleza do corpo, viagens, carros e facilidades.
7. âConstruÃmo-nos como pessoas em relação com os outros. O jovem de hoje, como nunca antes, vive possibilidades de comunicação e de relacionamentos quase ilimitadas. Que jovem não se serve das redes sociais com centenas de amigos nesses fóruns?  Os jovens de hoje conhecem melhor o mundo do que aqueles de gerações anteriores. Também se deslocam e se locomovem muito mais. Com tudo isso, a solidão parece ser uma ameaça real para não poucos jovens. Nem sempre conseguem viver uma amizade em profundidade. VÃnculos que pareciam muito estáveis se desfazem com relativa facilidade. Há jovens que chegam aos trinta anos numa dificuldade de encontrar seu par com quem construir sua vida. Pode o evangelho ajudar a viver vinculações mais sólidas, mais estáveis, de pessoas mais comprometidas umas com as outras?â (Abel Toraño Fernández, SJ, Jóvenes e nueva evangelización: escenario y desafios, Sal Terrae, 100 (2012), p. 529-530).
Questões:
â O que chamou sua atenção neste texto?
â O que mais diria a respeito do mundo em que vivem os jovens?
Frei Almir Ribeiro Guimarães
V. NOSSO GÃNERO DE VIDA
Obediência 5ng61
Art 7 4g31j
§ 1. Pelo voto de obediência, seguindo Jesus Cristo que abandonou sua vontade na vontade do Pai, os irmãos renunciam a si mesmos e submetem a própria vontade a seus legÃtimos Ministros e Guardiães em tudo ao que o Senhor prometeram observar, a fim de conseguirem,  mais plenamente, a maturidade pessoal e a liberdade dos filhos de Deus. 3p6o5
§ 2. Para o bem da Igreja e da Ordem, todos os irmãos prestem especial obediência e reverência ao Ministro Geral, legÃtimo sucessor de São Francisco e sinal de unidade e comunhão de toda a Fraternidade. 2q5w35
§ 3. Os irmãos sirvam e obedeçam de bom grado uns aos outros  na caridade do EspÃrito, procurando juntos os sinais da vontade do Senhor. 483oj
Este artigo das Constituições Gerais da Ordem dos Frades Menores, com seus três parágrafos, contém esplendorosas orientações de vida. Pelo voto de obediência, o frade menor deseja seguir esse Jesus que colocou sua vontade na vontade do Pai. Obedecem a Deus, seguem as determinações de seus superiores, que por sua vez, obedecerão a Deus. Serão ministros sem autoritarismo. Os que obedecem vão amadurecendo pessoalmente e, não se guiando por seu caprichos, conseguem a liberdade dos filhos de Deus. Há a obediência aos que animam a Igreja e os irmãos, juntos, farão a vontade de Deus, obedecerão uns aos outros. Felizes aqueles que abandonam sua vontade na vontade de Deus.
Vamos nos servir de reflexões de K.Esser e Engelbert Grau em texto que os dois escreveram sobre o nosso tema. Temos diante dos olhos a versão sa do original alemão:   Pour le Royaume, publicada pelas Ed. Franciscaines de Paris. Muitas partes traduziremos. Aqui e ali faremos um resumo, esperamos, sem prejudicar a compreensão do texto em francês.
1. Na vida de todos os dias, a penitência, fruto da conversão operada pela Redenção, manifesta-se no empenho de seguir os os de Nosso Senhor Jesus Cristo. Francisco quer viver como o Cristo, Verbo encarnado, e convida seus irmãos e suas irmãs a imitar seu exemplo. Recomenda-lhes que conheçam o Evangelho em profundidade. Assim, caminharão na estrada que leva ao Reino. Tal Reino se instaura desde que a graça redentora de Cristo impulsione o filho de Deus a não ter nada de próprio e entregar-se a Deus, finalidade última da vida. A pobreza, interior e exterior, foi a contribuição mais preciosa proporcionada por Francisco e seus discÃpulos em vista da edificação do Reino.
2. A obediência é elemento essencial da pobreza interior e exterior. Para que alguém renuncie a si mesmo a ponto de nada possuir de próprio, será necessário antes de tudo abandonar sua vontade pessoal. O Senhor diz no Evangelho: âQuem não abandona tudo o que possui, não pode ser meu discÃpuloâ (Lc 14,33). Francisco daà tira uma conclusão radical: âAbandona tudo o que possui e perde seu corpo aquele que se oferece totalmente à obediência nas mãos de seus preladosâ ( II). Segundo Celano, Francisco dizia que não deixou tudo por Deus aquele que conserva as bolsas da vontade própria. Sempre queremos nos apropriar da própria vontade. Foi esse o pecado de Adão. Esse é o pecado dos que querem se subtrair à soberana vontade de Deus para se colocarem em seu lugar. O que precisa ser feito é a expropriação. Tudo o que pode constituir um bem próprio é objeto de renúncia e leva à obediência, a mais nobre das abnegações, coroa da vida de penitência, radical renúncia de si e conversão total a Deus.
3. A obediência não causaria problema  se fosse feita diretamente a Deus. Por um voto solene, no entanto, o frade coloca-se sob a dependência de um homem, seu superior. Deus manifesta sua vontade ao frade por meio do superior. âO súdito não deve considerar o homem em seu superior, mas Aquele por amor de quem ele resolveu obedecerâ (2Cel 151). A obediência só é possÃvel pela fé, no abandono total a Deus e na aceitação efetiva da graça redentora. Em união com Cristo que os frades saibam libertar-se de apegos a si mesmos para procurar sempre a vontade de Deus e a ela se conformar, mesmo quando esta se manifesta através de instrumentos tão âdesconcertantesâ. A qualidade do instrumento importa pouco aos olhos daquele que se serve dele a seu bel-prazer. A obediência a um superior exige renúncia, despojamento de tudo o que é terreno e humano, cume de toda uma vida sem nada de próprio, mas ainda e sobretudo uma entrega total a Deus, ponto de chegada da vida de penitência e da âmetanoiaâ. Para designar o ingresso dos novos candidatos na Ordem não é por acaso que os primeiros frades empregavam a expressão ârecipere oboedientiamâ, âitidos à obediênciaâ.
4. Vejamos os fundamentos da obediência. Desde que o pecado veio a romper a harmonia da natureza, o homem se opõe a Deus. Esse desacordo, aberto ou velado, se manifesta por meio de uma tenaz resistência a Deus. Voltando as costas para Deus, o que se rebela se erige em Ãdolo e se adora. Cria-se um abismo entre o homem e Deus. Com suas próprias forças, o homem não consegue restaurar-se. Essa é a  situação do homem digna de pena. E Deus vem em socorro do homem pela salvação trazida por Cristo. âEle subsistindo na condição de Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando-se solidário com os seres humanos. Apresentando-se como simples homem, humilhou-se feito obediente até à morte numa cruz (Fl 2, 6-8)  Assim, âcomo pela desobediência de um só, todos se tornaram pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justosâ (Rm 5, 19). O aniquilamento de Cristo, obedecendo até à morte, nos deu a salvação. A vida de penitência se impregna da obediência na medida em que abençoada Redenção de Cristo pode operar seus efeitos na alma. Faremos progressos na obediência na medida em que tivermos em nós os mesmos sentimentos de Cristo e que obediência do Senhor possa produzir seus frutos na alma.
Obs.:   Na próxima edição deste Tirando do Baú  voltaremos ao tema da obediência franciscana.