
Imagem ilustrativa (Reprodução)
Frei João Mannes
Compreensões equivocadas de liderança 6d501a
Na atualidade, encontramos diversos estudos sobre o tema liderança. No livro O Monge e o Executivo, James Hunter afirma que a liderança é “a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando a atingir os objetivos identificados como sendo para o bem comum” (2004, p. 25).
No entanto, de maneira geral, a liderança é equivocadamente compreendida como poder de dominação. Quando alguém é nomeado para um cargo, o poder sobe-lhe facilmente à cabeça e o coração fica vazio de afeição, ternura, bondade, humildade e generosidade. Assim, cai-se no extremo do autoritarismo.
O líder autoritário é egocêntrico e autocrático (governa por e para si próprio). Decide tudo sozinho, sem permitir às pessoas a liberdade de participar do processo de organização dos trabalhos e da vida dos seus liderados. O líder dominador relaciona-se com as pessoas de forma piramidal. O poder exercido como dominação se impõe pela força e não visa aos interesses comuns, mas próprios. Temos diariamente um noticiário farto desses abusos e suas respectivas consequências nos mais diversos setores da sociedade.
Por outro lado, sobressai-se um estilo de liderança mais liberal, que delega a maioria das decisões aos indivíduos ou ao grupo. Uma tal liderança justifica a sua conduta com a alegação de que deve respeitar o direito de cada um à autonomia, equivocadamente entendida como “independência” dos outros, e assim também salvaguardar os seus próprios interesses. Essa forma laxista de liderar, sem objetivo ou direcionamento claro, promove cada vez mais o individualismo e a realização de trabalhos e projetos pouco alinhados à missão da corporação à qual pertencem. E não é de se supor que um líder “bonachão” como esse chame para si a responsabilidade pelos problemas oriundos de sua maneira equivocada de liderar.
Enfim, a autorreferencialidade no exercício da liderança, tanto no modelo autoritário, quanto no estilo liberal, deteriora a qualidade das relações interpessoais. Com o ar do tempo, esses comportamentos provocam sintomas desagradáveis que comprometem não apenas o clima organizacional da instituição, mas também a sua razão de existir. Isso ocorre porque, quando os membros de um grupo sentem-se humilhados e desrespeitados por seu “superior”, a tendência é que fiquem desmotivados, insatisfeitos e improdutivos.
A verdadeira arte de liderar pessoas 6f1a1p
Qual é, então, o modelo de líder de que as instituições, hoje, estão precisando? O que é ser um verdadeiro líder?
Ser líder é uma missão que envolve grandes responsabilidades, como também exige autoconhecimento, inteligência emocional, autoconfiança, integridade, paixão pelo trabalho e por novos desafios, bem como um bom preparo técnico. Em qualquer equipe, o líder é essencial, pois tem a função de inspirar, motivar e colaborar para que os membros de sua equipe desenvolvam suas potencialidades, em sintonia com a missão da instituição à qual pertencem. O líder direciona o trabalho, delega, corrige, comunica, supervisiona, dá s e conduz as pessoas na direção desejada.
O foco do líder não está, primeiramente, nos resultados, mas nas pessoas. As pessoas são o bem mais precioso de qualquer instituição. Ninguém quer apenas obedecer a ordens e ser cobrado pelo alcance de metas. Cada pessoa quer ser ouvida, reconhecida, valorizada e respeitada. Ou seja, quer que lhe seja possibilitado crescer, evoluir, amadurecer e prosperar como ser humano no mundo. Os resultados concretos virão como consequências da valorização de cada pessoa e do engajamento de todos nos trabalhos e projetos da organização.
A especialista em liderança, Sônia Jordão, em seu belíssimo livro A Arte de Liderar, observa que “liderar é a arte de conduzir as pessoas para que façam o que é necessário por livre e espontânea vontade. É conseguir que seus liderados queiram fazer o que precisa ser feito” (2010, p. 03). De modo que a arte de liderar consiste em fazer com que os liderados não façam o que precisa ser feito por imposição, mas livremente, por amor. E o líder consegue fazer isso sobretudo pelo seu caráter, pela sua postura de humildade, lealdade, assertividade, respeito, gentileza e empatia. O bom líder é, antes de tudo, uma boa pessoa. Liderança e lealdade estão interligadas. Consequentemente, nenhum líder de má índole, ou que se relacione mal com seus liderados, consegue a sua colaboração voluntária. Enfim, conforme considera o Papa Francisco, ser líder é ser um construtor de pontes.
Liderança dialógica franciscana: construir pontes 4k701e
Em fevereiro de 2019, o Papa Francisco encontrou-se com centenas de líderes religiosos, nos Emirados Árabes. Na ocasião, o Sumo Pontífice recordou os 800 anos do encontro entre São Francisco de Assis e o Sultão do Egito Al-Malik Al-Kamil. O Papa remeteu-se a Francisco de Assis como a um líder inspirador e um “paradigma” da maneira correta de se relacionar com pessoas de outras crenças religiosas. Tal como o Homem de Assis promoveu a unidade na diferença entre muçulmanos e cristãos, hoje “precisamos de novos líderes, que constroem pontes, em vez de muros” (Papa Francisco). A sociedade está dividida por muros de ressentimento, ódio e polarizações ideológicas, políticas, raciais e religiosas. Nesse contexto, as religiões não podem renunciar à urgente tarefa de construir pontes, promovendo o diálogo entre as pessoas, raças e culturas.
O diálogo é uma ponte que une diferenças e constrói novas possibilidades de vida. A atitude dialógica possibilita a comunicação e a intercomunicação entre as pessoas. E para dialogar são necessárias a escuta e a empatia. A escuta verdadeira não é apenas questão de ouvir com os sentidos, mas de silenciar, de desarmar-se de todos os preconceitos para acolher o outro com inteireza de alma. Enquanto o ouvir diz respeito ao âmbito da informação, o escutar refere-se ao âmbito da comunicação interpessoal.
Por fim, destacamos a importância da empatia na liderança dialógica. Somente livres e desprendidos de tudo, podemos sentir o sentir do outro e entrar em contato com o seu coração (sentimentos, emoções, escolhas, crenças etc.). A empatia leva-nos a uma compreensão cada vez maior da experiência originária do outro e a amá-lo e servi-lo com grande humildade.
A liderança servidora na perspectiva franciscana 6w2q4d
O gestor e pesquisador norte-americano, Robert Greenleaf, em seu ensaio The Servant as Leader, assim definiu a liderança servidora: “O líder-servidor é servidor antes de mais nada. Tudo começa com o sentimento natural de que ele quer servir, e servir acima de tudo. Então, esta escolha consciente o leva a aspirar à liderança” (1998, p. 3). A liderança servidora foca no crescimento e no bem-estar de cada pessoa e no todo da comunidade. O líder-servidor coloca as necessidades dos outros em primeiro lugar.
Esse conceito de liderança servidora aplica-se perfeitamente a Jesus Cristo. Sem dúvida, o maior líder-servidor que já houve na história humana é Jesus Cristo. O poder de Jesus, “manso e humilde de coração” ((Mt 11, 29) é um poder sem poder. É poder-serviço. Ele mesmo disse que “o Filho do homem não veio para ser servido mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos” (Mc 10, 45). Por outras palavras, “o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10, 11).
O líder Jesus Cristo deixou um legado de seguidores, dentre eles São Francisco de Assis. Foi com a autoridade de um servidor que o Homem de Assis recomendou aos irmãos constituídos sobre os outros que não se deveriam “vangloriar dessa superioridade mais do que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos” ( 4). Os ministros (Geral, Provincial, Custódio, Guardião, Coordenador de fraternidade) são, antes de tudo, frades menores: “E os ministros e servos lembrem-se do que diz o Senhor: ‘Não vim para ser servido mas para servir’” (Mt 20, 28), e de “que lhes foi confiado o cuidado pelas almas dos irmãos” (RnB 4, 6). Por conseguinte, o ofício de cada irmão menor é apenas servir: “E neste gênero de vida ninguém seja intitulado ‘prior’ mas todos sejam designados indistintamente como ‘frades menores’. E um lave os pés ao outro” (RnB 6, 3-4).
Na fraternidade minorítica, a autoridade é exercida com coração de mãe. Francisco usa a imagem da mãe porque ela, na família, representa a solicitude cheia de abnegação e de intuição: “E cada qual ame e alimente a seu irmão como a mãe ama e nutre a seu filho” (RnB 9, 14). A atitude da mãe que “ama e nutre” é modelo de cuidado que os encarregados do serviço da autoridade são chamados a desenvolver: “se uma mãe ama e nutre seu filho carnal (cf. 1Ts 2, 7), com quanto maior diligência não deve cada um amar e nutrir a seu irmão espiritual?” (RB 6, 8).
Portanto, na ótica franciscana, ser líder é ter a habilidade de dialogar com as pessoas e ser um servidor equiparado ao que lava os pés dos outros. O modelo franciscano de coordenar uma fraternidade caracteriza-se pela presença do “Espírito do Senhor-Servo”. Francisco exorta aos seus irmãos que, ao irem pelo mundo “sejam mansos, pacíficos, modestos, afáveis e humildes, tratando a todos honestamente, como convém” (RB 3, 11). Quanto mais poder alguém tem, maior deve ser a sua disposição de servir. “Aqui, sim, deveria existir uma verdadeira competição: entre aqueles que querem servir mais” (Papa Francisco).
Para concluir, gostaria de trazer à nossa reflexão uma bela agem do Testamento de Santa Clara de Assis, que ilustra de forma magnífica o modelo franciscano de liderança dialógica e servidora:
Rogo também à que estiver a serviço das Irmãs que trate de estar à frente das outras mais por virtudes e santos costumes do que pelo ofício, de forma que suas Irmãs, provocadas por seu exemplo, não obedeçam tanto por dever como por amor. Seja também previdente e discreta para com suas Irmãs, como uma boa mãe faz com suas filhas, tratando especialmente de provê-las de acordo com as necessidades de cada uma, com as esmolas que forem dadas pelo Senhor. Também seja tão bondosa e ível que possam manifestar com segurança suas necessidades e recorrer a ela confiadamente a qualquer hora, como lhes parecer conveniente, tanto por si mesmas, como por suas Irmãs (TestC 61-66).